ANOITECER
A
Dolores
É
a hora em que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente
buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes,
trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.
É
a hora em que o pássaro volta,
mas de há muito não há
pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como
espesso óleo
que impregna o lajedo;
desta hora tenho medo.
É
a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede
sono,
depois de tanto rodar;
pede paz — morte — mergulho
no
poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.
Hora de
delicadeza,
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no
mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim, meu
passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.
©
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
In
A Rosa do Povo, 1945