sexta-feira, outubro 06, 2006

EDGAR ALLAN POE

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Este ano faz 157 anos que Poe morreu. Nascido em 1809, faleceu em 1849. Quando se fala em Edgar Allan Poe, imediatamente vem à cabeça sua obra prima, e mais conhecida pelo público, o poema “O Corvo”. Mas não é só. Contos como “O gato preto”, “A queda da casa de Usher”, “William Wilson”, “Ligeia”, entre outros, primam pela excelência da narrativa e originalidade das idéias. Inventou o conto policial com “Os crimes da Rua Morgue”. Além das poesias e contos, escreveu também trabalhos críticos – O princípio poético, A filosofia da composição e O racional do verso – nos quais discorre sobre sua crença de liberdade poética. Alcoólatra e atormentado, sua obra espelha as próprias angústias. “O mundo em que vivia era uma terra de sonhos, de tormentos, de espectros trágicos, de terrores fantásticos, de paisagens febris, de pássaros agourentos, de hediondas formas rastejantes”, escreveu sobre ele Brenno Silveira. Dotado de fértil imaginação, seus temas preferidos eram as coisas sobrenaturais, espectros, fantasmas, em suas histórias há sempre o toque da morte, principalmente quando a personagem principal é uma bela mulher, cujo destino, invariavelmente está ligado a um fim próximo e trágico. As narrações de seus contos, gênero no qual era mestre, falam por si...

Estou postando um conto pouco conhecido de Poe, mas que impressiona pela narrativa e ritmo. É um de meus preferidos. Espero que gostem!

SILÊNCIO
UMA FÁBULA

Os cumes das montanhas estão adormecidos;
os vales, os penhascos e as cavernas estão silenciosos

Álcman

“Escuta-me – disse o Demônio, pondo-me a mão sobre a cabeça – O país de que te falo é uma região lúgubre, na Líbia, nas margens do rio Zaire. Aí não existe nem paz nem silêncio.

“A águas do rio tem um tom doentio de açafrão; e não correm para o mar, mas fervilham para todo o sempre sob o olhar vermelho do Sol, com um movimento tumultuoso e convulsivo. Por muitos quilômetros das suas margens pantanosas se estende um pálido deserto de gigantescos nenúfares. Anelantes, suspiram uns para os outros, nesta solidão, e erguem para o Céu os seus enormes colos fantasmagóricos e inclinam para um lado e para outro as suas corolas perineais. De entre eles sai um rumor indistinto, semelhante ao correr de águas subterrâneas. E suspiram uns para os outros...

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“Mas tem uma fronteira, o seu império – o limite da escura, terrível e majestosa floresta. Ai, tal como as ondas em torno das ilhas Hébridas, as plantas rasteiras estão em constante agitação. Mas no céu não há vento. E as árvores altas e prístinas baloiçam-se num eterno vaivém, com um poderoso e impressionante estrépito. E das suas altas copas caem, uma a uma, gotas de orvalhos eternos. E a seus pés retorcem-se flores venenosas num sono agitado. E por sobre as suas copas, com um murmúrio intenso, as nuvens plúmbeas correm céleres para o ocidente, para a eternidade, até rolarem, como em catarata, por cima do muro ardente do horizonte. E não há vento no céu e nem paz nem silêncio nas margens do Rio Zaire.

“Era noite e a chuva caía; e caindo era chuva, mas caída era sangue. E eu estava no pântano entre os nenúfares gigantescos e a chuva caia sobre a minha cabeça – e os nenúfares suspiravam uns para os outros na solenidade de sua desolação.

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“E, de repente, a Lua irrompeu através do tênue véu da neblina funérea, e era de cor vermelha. E os meus olhos fixaram-se numa rocha cinzenta que se encontrava na margem do rio e era iluminada pela luz da Lua. E a rocha era cinzenta e sinistra e alta – e a rocha era cinzenta. E havia caracteres gravados na pedra; e eu caminhei pelo pântano de nenúfares até me aproximar da margem, de modo a poder ler os caracteres escritos na pedra. Mas não os consegui decifrar. E ia regressar ao pântano quando a Lua brilhou com um vermelho intenso e eu voltei-me e olhei novamente para a rocha e para os caracteres – e os caracteres diziam: Desolação.

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“E olhei para cima e estava um homem no topo da rocha; e escondi-me entre os nenúfares para ver o que o homem fazia. E o homem era alto e imponente e envolvia-o, dos ombros aos pés, uma toga da velha Roma. E eram indistintos os contornos de sua silhueta – mas o seu rosto era o rosto de uma divindade, porque, não obstante o manto da noite, e da neblina, e da Lua, e do orvalho, os seus traços fisionômicos eram visíveis. E a fronte era a fronte altiva do pensador e os olhos estavam nublados pelas preocupações; e nas poucas rugas da face li as efabulações do tédio, do cansaço e do desgosto pela humanidade e de um anseio veemente de solidão.

“E então o homem sentou-se na rocha, e apoiou a cabeça nas mãos e olhou a desolação em sua volta. Dirigiu o seu olhar para os arbustos eternamente inquietos, e para as enormes árvores prístinas, e mais para o lato, para o céu sussurrante, e para a Lua cor de sangue. E eu, encoberto pelos nenúfares, observava o que ele fazia. E na sua solidão o homem tremia, e a noite avançava e ele continuava sentado na rocha.

“E desviando a sua atenção do céu, o homem contemplou o lúbubre Zaire, e as águas lívidas e amarelas e a legião de pálidos nenúfares. Escutava os suspiros dos nenúfares e o murmúrio que vinha de entre eles. E eu continuava no meu esconderijo e observava o que o homem fazia. E o homem tremia na solidão; a noite continuava a avançar e o homem permanecia sentado na rocha.

“Depois desci aos mais remotos recessos do pântano, e deambulei pelo deserto de nenúfares e chamei pelos hipopótamos que moram nos pauis, nos recônditos escaninhos dos pântanos. E os hipopótamos ouviram meu chamamento, e vieram até à rocha e rugiram alto e assustadoramente sob a luz da Lua. E eu continuava no meu esconderijo e observava o que o homem fazia. E o homem tremia na solidão, e a noite continuava a avançar e o homem permanecia sentado na rocha.

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“Maldisse os elementos com a maldição do tumulto; e então formou-se uma medonha tempestade no céu, onde, antes, não havia o mínimo sopro de vento. E o céu ficou lívido com a violência da tempestade; e a chuva caia sobre a cabeça do homem; e desceram as enxurradas do rio; e o rio, torturado, rompia em espuma; e os nenúfares rangiam nos seus caules; e a floresta agitava-se ao vento; e o trovão ribombava; e os raios faiscavam; e a rocha tremia até à raiz. E eu mantinha-me no meu esconderijo e observava o que o homem fazia. E o homem tremia na sua solidão, e a noite avançava e o homem permanecia sentado na rocha.

“Irritado, maldisse com a maldição do silencia, maldisse o rio, e os nenúfares, e o vento e a floresta, e o céu e o trovão e os suspiros dos nenúfares. Então emudeceram e ficaram imóveis. E a Lua cessou a sua lenta caminhada nos céus – e o trovão extinguiu-se e o raio não cintilou mais, e as nuvens ficaram estáticas, e as águas recolheram ao seu leito e quedaram-se, e as arvores cessaram de abanar, e os nenúfares já não suspiravam, e de entre eles já se não houvia o murmúrio, nem qualquer sombra de som em todo o vasto e infindável deserto. E olhei então para os caracteres da rocha e tinha mudado, e lia-se: Silêncio.

“Fixei o meu olhar no rosto do homem, e o seu rosto estava pálido de terror. E apressadamente ergueu a cabeça de entre as mãos e alçou-se sobre a rocha e escutou. Mas não havia qualquer voz no vasto e infindável deserto e os caracteres sobre a rocha diziam: Silêncio. E o homem estremeceu e voltou as costas, e fugiu para longe, apressadamente, e nunca mais o vi”.

Encontram-se belos contos nos livros de magia, nos melancólicos e aferrolhados livros dos mágicos. Aí, digo eu, existem histórias gloriosas do Céu e da Terra e do Mar portentoso - e dos gênios que governam o Mar e a Terra e o Céu sublime. Há muita sabedoria também nas palavras que foram ditas pela sibila; e sagradas coisas foram escutadas em tempos remotos pelas folhas sombrias que tremiam em redor de Dodona – mas, tão certo como Alá estar vivo, considero a fábula que o Demônio me contou, sentado a meu lado na sombra do túmulo, a mais maravilhosa de todas! E quando o Demônio a acabou de narrar, caiu na profundidade do túmulo e ria. E eu não consegui rir com o Demônio, e ele amaldiçoou-me porque eu não conseguia rir. E o lince que habita por toda a eternidade no túmulo saiu dele e deitou-se aos pés do Demônio, e olhou-me fixamente no rosto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Já li tudo do Edgar Allan Poe quando tinha dezesseis anos e reli sua obra várias vezes. Lembro-me vagamente deste conto/quase ensaio. Curto ele de montes, principalmente por não jogar sangue na cara do leitor. Ele é sutil, terror psicológico de loucuras e incertezas.

Também gosto do Pessoa. Vou correndo buscar uns textos de anarquistas, já que a galera quer mais.

Um abraço e bom fim de semana.

Anônimo disse...

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